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O ‘Guernica’ de Picasso já tem 80 anos

O quadro começou a conceber-se muito antes de sua feitos sob encomenda, quando ainda criança, o artista escabullía debaixo da mesa da sala de jantar para admirar as “pernas monstruosamente inchado que surgiam das saias de uma de suas tias”. Essa precoce fascínio pela deformação sustenta o extraordinário feitiço da pintura, intacto 80 anos depois que o artista a realizar por encomenda do Governo da II República, para o pavilhão espanhol na Exposição Internacional de Paris de 1937. A teoria que liga os pontos entre o horror infantil e eficaz monstruosidade do gigantesco mural-ícone é de T. J. Clark, comissário mvideoporno, junto a sua esposa, Anne M. Wagner da amostra com a que Reina Sofia procura celebrar o aniversário redondo.

Uma obra lendária

O quadro apresenta três figuras imperfeitas, com a carne decomposta e afastadas imaginário estético habitualmente associado à dança feminina. Cedido pela Tate de Londres, As três bailarinas é uma das estrelas de uma exposição com notáveis empréstimos de instituições como o Museu Picasso de Paris (com 20 peças), o MoMA e o Metropolitan de Nova York ou Paris. Clark se elogiava ontem pela “generosidade desses museus e coleções particulares”, bem como pelo envolvimento dos herdeiros, sublinhada com a presença de Bernard-Ruiz Picasso na inauguração. Uns e outros têm feito o possível para reforçar a nova tese. Uma construção que se afasta dos tópicos sobre o caixa e prefere não abundar na relação entre o mural e o fato que o originou: o bombardeio da vila de biscayne pelo Exército alemão em 26 de abril de 1937, que tão apressadamente reagiu Picasso (caixa foi entregue no dia 4 de junho). Não há concessões para as leituras excessivamente biográficas da obra, tão comuns quando se trata de Picasso.

A estrutura da exposição se assemelha ao de uma dessas filmes clássicos construídas com saltos no tempo. Uma maquete do pavilhão português e a burlona força Da dama locador, escultura do málaga, que também expôs em Paris, dão boas-vindas ao visitante com uma bateria documentário sobre as circunstâncias daquela aventura diplomata-artística, em plena Guerra Civil. Na próxima sala domina a gigantesca natureza morta Bandolim e guitarra. Cedida pelo Guggenheim, serviu a Clark para ilustrar a capa de um livro fundamental, Picasso & Truth (Yale University Press, 2013), em que as teses da amostra tomou a forma pela primeira vez. “O Guggenheim nem sequer tem exposto. Não é incrível? Neste ambiente está em seu lugar” ideal”, explicou durante a visita, o respeitado historiador da arte, professor emérito da Universidade de Berkeley, comprometido com uma leitura marxista das vanguardas.

O processo de criação do mural, conta com uma seção dedicada ao desenho, em que tem trabalhado, sobretudo, Anne Wagner para oferecer uma leitura feminista do quadro a partir da representação das mulheres, que aparecem “militarizadas”. Entre esboços preparatórios, alguém tão embrionário como o famoso Sonho e mentira de Franco, de janeiro de 1937, aparecem surpresas como A morte de Marat, um violentísimo Retrato da marquesa de bunda cristão com um rígido para os soldados mouros defensores da virgem (1937) ou a obsessão de Picasso por um truculento assassinato da época, as irmãs Papin, que inspirou Jean Genet sua obra As empregadas domésticas.